Lei Do SUS Para Crianças E Adolescentes Com Deficiência Após 1988
Introdução
A Lei do SUS (Sistema Único de Saúde) para crianças e adolescentes com deficiência após a Constituição de 1988 representa um marco fundamental na garantia de direitos e na promoção da saúde integral dessa população no Brasil. A Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, estabeleceu princípios e diretrizes que visam assegurar a todos os brasileiros, incluindo aqueles com deficiência, o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde. Neste contexto, o SUS desempenha um papel crucial na implementação de políticas e programas que atendam às necessidades específicas de crianças e adolescentes com deficiência, abrangendo desde a prevenção e o diagnóstico precoce até o tratamento, a reabilitação e a inclusão social. Este artigo explora detalhadamente a evolução da legislação, os avanços alcançados e os desafios persistentes na efetivação dos direitos de crianças e adolescentes com deficiência no âmbito do SUS.
A Constituição de 1988 representou um divisor de águas no cenário da saúde e dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. Antes da promulgação da Constituição, a assistência à saúde era fragmentada e excludente, com um sistema previdenciário que atendia apenas aos trabalhadores formais e uma rede filantrópica que, embora importante, não conseguia suprir a demanda. A Constituição de 1988, em seu artigo 196, estabeleceu a saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Esse princípio da universalidade é fundamental para a inclusão de crianças e adolescentes com deficiência no sistema de saúde.
Além da universalidade, a Constituição de 1988 também consagrou o princípio da integralidade, que implica a atenção à saúde em todos os níveis de complexidade, desde a atenção básica até a alta complexidade, e a articulação entre as ações de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação. Para crianças e adolescentes com deficiência, a integralidade é essencial, pois suas necessidades de saúde são multifacetadas e exigem uma abordagem multidisciplinar e intersetorial. Isso significa que o SUS deve garantir o acesso a consultas médicas, exames, terapias, medicamentos, órteses, próteses e outros recursos necessários para o desenvolvimento e a qualidade de vida dessa população.
A criação do SUS, regulamentada pelas Leis nº 8.080/1990 e nº 8.142/1990, foi um passo decisivo para a concretização dos princípios constitucionais. O SUS, com sua estrutura descentralizada e hierarquizada, busca garantir a equidade no acesso aos serviços de saúde, levando em consideração as necessidades específicas de cada indivíduo e grupo populacional. No caso de crianças e adolescentes com deficiência, o SUS deve oferecer uma atenção diferenciada, que considere as particularidades de cada tipo de deficiência e as diferentes fases do desenvolvimento infantil e juvenil. A atenção primária à saúde, porta de entrada do SUS, desempenha um papel fundamental na identificação precoce de deficiências, no acompanhamento do desenvolvimento infantil e no encaminhamento para serviços especializados, quando necessário.
Marcos Legais e Normativos
A legislação brasileira tem evoluído significativamente para garantir os direitos das pessoas com deficiência, incluindo crianças e adolescentes, no âmbito do SUS. Além da Constituição de 1988 e das Leis nº 8.080/1990 e nº 8.142/1990, que estruturam o SUS, outras normas e políticas têm contribuído para a efetivação desses direitos. A Lei nº 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é um marco na proteção dos direitos da infância e da juventude, estabelecendo que crianças e adolescentes com deficiência têm direito a receber atendimento especializado em saúde, educação e assistência social. O ECA também prevê a proteção integral, que abrange o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
A Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, instituída pela Portaria nº 1.060/2002, é um importante instrumento para a organização da atenção à saúde das pessoas com deficiência no SUS. Essa política tem como objetivo geral promover a qualidade de vida das pessoas com deficiência, assegurando o exercício de seus direitos e sua participação plena na sociedade. Para isso, a política estabelece diretrizes para a atenção à saúde em todos os níveis, desde a atenção básica até a alta complexidade, e prevê a implantação de serviços especializados em reabilitação, como os Centros de Reabilitação (CERs) e as Oficinas Ortopédicas. A Portaria nº 793/2012 instituiu a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS, com o objetivo de ampliar o acesso aos serviços de saúde e promover a articulação entre os diferentes pontos de atenção.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, é um marco legal que consolida e atualiza os direitos das pessoas com deficiência em diversas áreas, incluindo a saúde. Essa lei reforça o direito à saúde, à reabilitação e à habilitação, e estabelece que o SUS deve garantir o acesso a todos os serviços e tecnologias assistivas necessários para a promoção da saúde e da autonomia das pessoas com deficiência. O Estatuto também prevê a criação de mecanismos para o monitoramento e a avaliação da qualidade dos serviços de saúde oferecidos às pessoas com deficiência.
Outras normas e políticas relevantes incluem a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), que estabelece diretrizes para a atenção à saúde infantil, incluindo a atenção às crianças com deficiência, e o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), que visa identificar precocemente doenças que podem levar à deficiência, como o hipotireoidismo congênito e a fenilcetonúria. A identificação precoce e o tratamento adequado dessas doenças são fundamentais para prevenir ou minimizar as sequelas da deficiência.
Desafios e Perspectivas
Apesar dos avanços na legislação e nas políticas públicas, a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes com deficiência no SUS ainda enfrenta muitos desafios. A falta de recursos financeiros, a desigualdade na distribuição dos serviços de saúde, a falta de profissionais capacitados e a dificuldade de acesso aos serviços especializados são alguns dos obstáculos que precisam ser superados. A garantia do acesso a medicamentos, órteses, próteses e tecnologias assistivas também é um desafio, especialmente para as famílias de baixa renda. Além disso, a articulação entre os diferentes níveis de atenção e entre os setores da saúde, educação e assistência social ainda precisa ser aprimorada.
A superação desses desafios requer um esforço conjunto do governo, da sociedade civil e dos profissionais de saúde. É preciso investir na formação e na capacitação dos profissionais, ampliar a oferta de serviços especializados, fortalecer a atenção primária à saúde e garantir o acesso a recursos financeiros e tecnológicos. A participação da família e da comunidade é fundamental para o sucesso das políticas e programas de saúde voltados para crianças e adolescentes com deficiência. É preciso promover a conscientização e o combate ao preconceito e à discriminação, e garantir que as famílias tenham acesso a informações e apoio para cuidar de seus filhos com deficiência.
A importância da intersetorialidade na atenção a crianças e adolescentes com deficiência não pode ser subestimada. A saúde, a educação e a assistência social devem trabalhar de forma integrada para garantir o desenvolvimento integral e a inclusão social dessa população. A escola, por exemplo, desempenha um papel fundamental na inclusão educacional e social, e deve oferecer um ambiente acolhedor e acessível para todos os alunos, incluindo aqueles com deficiência. Os serviços de assistência social, por sua vez, podem oferecer apoio às famílias, como o acesso a benefícios sociais, programas de transferência de renda e serviços de convivência e fortalecimento de vínculos.
As perspectivas para o futuro são promissoras, mas exigem um compromisso contínuo com a defesa dos direitos das crianças e adolescentes com deficiência. É preciso fortalecer o controle social, ampliar a participação da sociedade civil nas decisões sobre políticas de saúde e garantir a transparência e a accountability na gestão dos recursos públicos. A pesquisa e a produção de conhecimento sobre deficiência também são fundamentais para o desenvolvimento de novas tecnologias e abordagens de cuidado. A troca de experiências e o diálogo entre profissionais, famílias e pessoas com deficiência podem contribuir para a construção de um sistema de saúde mais inclusivo e eficaz.
Conclusão
Em conclusão, a Lei do SUS para crianças e adolescentes com deficiência após a Constituição de 1988 representa um avanço significativo na garantia de direitos e na promoção da saúde integral dessa população. A Constituição de 1988, o SUS e outras normas e políticas têm estabelecido um marco legal e institucional que visa assegurar o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, a atenção integral e a inclusão social. No entanto, a efetivação desses direitos ainda enfrenta muitos desafios, que exigem um esforço conjunto do governo, da sociedade civil e dos profissionais de saúde. A superação desses desafios requer investimentos em recursos financeiros, humanos e tecnológicos, a articulação entre os diferentes setores e níveis de atenção, a participação da família e da comunidade, e o compromisso contínuo com a defesa dos direitos das crianças e adolescentes com deficiência. O futuro da saúde dessa população depende da nossa capacidade de construir um sistema de saúde mais inclusivo, equitativo e eficaz, que garanta o desenvolvimento integral e a qualidade de vida de todas as crianças e adolescentes, independentemente de suas condições de saúde.